O risco de aceitar às "cegas" os registos sugeridos


Desde há algum tempo para cá, os sites dedicados à genealogia oferecem sugestões de registos que podem pertencer aos nossos antepassados. Cada site tem a sua forma de o fazer e apresentar. O FamilySearch tem usado inteligência artificial para apressar a indexação de documentos históricos, o que olhando para o mar imenso de documentos a nível mundial, tal façanha levaria muitos anos a alcançar apesar da boa vontade dos voluntários. Esta tecnologia está a aprender línguas diferentes, grafias de todo o tipo e a lidar com registos variados. Que tarefa!


O uso desta tecnologia sem dúvida facilita o acesso a documentos e ajuda a continuarmos nesta viagem de descoberta das nossas raízes. Foi desta forma que finalmente pude ver a assinatura da minha trisavó como madrinha num batismo. Algo tão simples mas que não aparece em nenhum dos documentos que tinha dela até agora. E ainda mais surpreendente, foi descobrir os batismos de alguns filhos do meu bisavô em lugares inesperados. Principalmente para quem está a começar, deve ser fascinante de repente ver-se a mãos com documentos sugeridos. Até mesmo os mais experientes nestas lides apreciam certamente as portas que a inteligência artificial pode abrir. Mas, e não consigo deixar de colocar um "mas", as sugestões são uma ferramenta. E por isso torna-se necessário ter em atenção o que a ferramenta oferece e possibilita, de forma a optimizar a sua eficiência e produtividade.  

Recentemente, ao responder a um pedido de ajuda, encontrei mais uma vez um exemplo perfeito do risco que corremos ao aceitar registos sugeridos e adicionar os mesmos à árvore familiar sem ler os registos em si. 

Aliás, uma boa parte das pessoas que contacto após eu ver as alterações que fizeram nos perfis dos meus antepassados sem razão ou lógica (por exemplo, alguém nascer em 1607 e ter uma filha em 1917, com fontes anexadas, que já partilhei aqui no blog) respondem que aceitaram a sugestão dada pelo site. E que por essa razão deve estar correcto. Mas como o próprio nome indica, uma sugestão é um palpite. E sendo um palpite uma possibilidade, o que fazer? 

Ler o documento original e comparar com o que já sabemos é a única resposta que tenho a oferecer.

E voltando ao exemplo que encontrei, apresento-vos o Sr. Cardoso e a D. Maria de Jesus. E segundo o perfil criado para a família deles, têm seis filhos: Candido, Cato, Carolina, António, Ana e por último, Joaquim. 


O ponto de partida da pesquisa foi o registo de batismo do filho António. Ao ler o registo ficámos a saber que o António nasceu na freguesia de Ramalde, na cidade do Porto em 1871. O nome e naturalidade dos pais e o nome dos avós paternos e maternos não deixa dúvidas. O António era filho de Francisco Pinto Cardoso e Maria de Jesus, ambos naturais de Miomães, que fica no concelho de Resende, distrito de Viseu. Os avós paternos eram Custódio Pinto Cardoso e Maria de Jesus e os maternos eram José Ferreira Maia e Maria de Jesus. Maria de Jesus era um nome popular!

Se se lembram da lista de filhos, temos mais cinco indivíduos e um deles chama a atenção pelo nome invulgar: Cato. Parece ter nascido no mesmo ano da Carolina, 1869. Mas ao abrir o registo de batismo lido pela inteligência artificial, o Cato afinal é nada mais do que Carolina. 

Olhando para a imagem, entende-se porque é que a inteligência artificial achou tratar-se do nome Cato. Vejam só aquele R tão "esticado"e fora do tamanho usual para este escrevente. Além disso, também não foi feita a ligação com o resto do nome na linha seguinte "lina". Visto que o Cato não existiu mas é o resultado de um erro de leitura pela inteligência artificial, torna-se necessário usar a opção proporcionada pelo próprio site para o efeito: relatar. Esta opção aparece no lado direito. E temos ainda a oportunidade de corrigir os dados indexados com a opção "alterar".


E os outros filhos? A Carolina está alistada como sendo do sexo masculino, em vez do feminino. Mais um dado que pode e precisa de ser corrigido com a opção "alterar". Os pais e os avós são os mesmos identificados para o António e desta forma confirma-se que a Carolina e o António são irmãos. Aliás, trata-se do mesmo registo anexado para o suposto filho Cato que não era Cato. Ou seja, emendando o perfil do Cato para o nome correcto, a Carolina fica alistada duas vezes nesta família. Nesta situação, para evitar duplicados podemos unificar os dois perfis nas opções fornecidas pelo site e assim a Carolina só aparecerá alistada uma única vez.


Mas continuemos pelo registo de batismo do filho mais velho na lista acima, Candido, que já não aconteceu em Ramalde mas numa outra freguesia do Porto: Sé. Esse facto não faz com que não sejam irmãos. Bastava os pais terem mudado de casa e passarem a pertencer a outra freguesia ou até mesmo batizar a criança na freguesia dos padrinhos ou até dos avós. Esta última situação não era comum mas acontecia. 

Apesar da tinta trespassada, pode ler-se o nome do pai como Francisco Pinto. A mãe tem o mesmo nome que a mãe do António: Maria de Jesus. Este é um nome extremamente comum para a época. Mas o nome do pai não está exactamente igual. Deveria ser Francisco Pinto Cardoso. Mas pode ter sido por esquecimento... E a freguesia de ambos já não é Miomães mas sim Caria. Será engano? 


A dúvida fica esclarecida quando se olha para a parte do registo de batismo que nos dá a conhecer os avós do Candido. Deveríamos ter Custódio e Maria de Jesus. Mas em vez disso temos António Pinto e Quitéria Maria. Os avós maternos também não são os esperados. Deveriam ser José Ferreira Maia e Maria de Jesus mas temos aqui João Raimundo e Quitéria da Silva. Definitivamente, este Candido não é irmão do António. 


Neste caso, a solução é usar a opção que nos permite corrigir esta situação. Clicar no símbolo de editar (circulado a vermelho na imagem abaixo) deixa remover esta pessoa como filho do Francisco e da Maria. Não é necessário apagar o perfil do Candido. Basta somente desvincular o Candido destes pais, colocando a respectiva razão: pais incorrectos. 

Podemos ir mais além e colocar os pais e avós correctos para este indivíduo, tal como consta no registo de batismo e deixar a fonte anexada ao mesmo perfil. Talvez isso evite que outros usuários tentem reverter a alteração feita. 


Dos seis filhos alistados resta-nos dois para verificar: a Ana e o Joaquim. O batismo da Ana aconteceu na mesma freguesia que o batismo do António. Mas isso não é prova suficiente que eles são irmãos. Felizmente o registo de batismo é claro e revela que a Ana tem os mesmos pais e avós do António, visto que apresenta os mesmos nomes e são dos mesmos locais. 

No entanto, o perfil da Ana exibe uma data de batismo incorrecta e falta incluir a data de nascimento. 


O registo indica que o batismo da Ana aconteceu no mês de Junho e não Julho. E mais abaixo temos o dia de nascimento: "três deste mês". Todas estas informações podem ser corrigidas usando a opção alterar.


Resta-nos o registo de batismo do Joaquim. Este Joaquim foi batizado numa outra das 15 freguesias que a cidade do Porto tinha antes da reforma administrativa de 2013, em Aldoar. Como referi anteriormente, esta diferença não é razão suficiente para decidir se o Joaquim é irmão do António, que foi batizado na freguesia de Ramalde. Todas estas freguesias são muito próximas ou até mesmo ao lado. 

O registo de batismo do Joaquim indica que o pai era Francisco Pinto, trabalhador. Falta o nome de família Cardoso e a profissão deveria ser barbeiro e não trabalhador. Mas a vida tem "histórias" que não imaginámos e poderia ter mudado de profissão. Ou então ser engano de quem fez o registo. Mas o nome da mãe, Maria Rosa de Jesus, aumenta ainda mais as suspeitas que não se trata de um irmão do António. As naturalidades de ambos os pais também são outras: Ul em Oliveira de Azeméis e Vale em Arouca. De certo que este Joaquim não pertence a esta família.

A chave para deslindar esta questão está nos avós. Onde está o Custódio? E o Jose Ferreira Maia? Este Joaquim é neto de Manuel Pinto e Felicia Rosa, e de Antonio Francisco do Lago e Rosa Maria. Seguramente, o Joaquim também não é irmão do António. 

Dos seis filhos alistados, o Cato não era Cato mas sim Carolina. A Carolina é do sexo feminino e não masculino. A Ana tinha uma data errada e outra em falta. O Candido tinha outros pais, naturais de Caria. E o Joaquim, era também de uma outra família, naturais de Ul e Vale. Todos juntinhos mas não no sítio certo. 

Aceitar sugestões às cegas é fácil e rápido. A árvore cresce e cresce. Mas com esta escolha arrisca-se a ter na árvore da família nomes errados, géneros mal atribuídos, datas incorrectas ou em falta e pior ainda, pessoas que não são sequer parentes

Vale a pena arriscar? Eu sou da opinião que mais vale "perder" 2 minutos a ler o registo original com calma e quem sabe descobrir mais algum dado, do que passar horas ou dias a emendar e eliminar linhagens que não são nossas e ter que começar de novo.

A inteligência artificial lê e sugere, e nós precisámos de ler e comparar com o que já sabemos para então aceitar ou rejeitar. A tecnologia está a fazer toda a diferença. Mas ler o registo original não só é necessário como também é indispensável

Boas pesquisas para todos e muitos registos sugeridos é o que vos desejo!



Comentários

  1. Maria Guerra29/10/22

    Excelente! Como sempre. Obg

    ResponderEliminar
  2. M Simões29/10/22

    Sempre a aprender. Não costumo usar o FS mas o my MyHeritage. Mas aplica-se o principio seja qual for o site ou publicação. Grato

    ResponderEliminar
  3. Anónimo29/10/22

    É como aquele cartaz que a senhora fez com a tartaruga. Devagar se vai ao longe.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. M Simões29/10/22

      "A genealogia requer persistência, não rapidez!" https://asraizes.blogspot.com/2021/02/blog-post.html

      Eliminar
    2. Anónimo29/10/22

      É esse mesmo. Bem haja.

      Eliminar
  4. Anónimo29/10/22

    Apresentou e muito bem um caso para estudo. Isto da genealogia precisa de rigor.

    ResponderEliminar
  5. Anónimo29/10/22

    E assim faço, vou sempre procurar o registo original aos arquivos ou ao tombo.pt. quando tenho dúvidas, não anexo, mas não apago. E já tive grandes surpresas de alguém daqui com registos noutro distrito... E estava certo.

    ResponderEliminar
  6. Luciano29/10/22

    Boa tarde Adilia Mack Freitas Mata,

    Realmente a que se atentar para os detalhes, de fato a tentação em aceitar a sugestão e continuar o processo existe, entretanto concordo que é tempo ganho o tempo gasto em análise!
    No mais, o Sr. António é meu antepassado e através de seu texto puder conhece-los um pouco melhor, agradeço muito por isso!
    Pude por pouco de tempo viajar nas histórias que não ouvi e paisagens que não vi e fiquei tocado!

    Outro ponto importante são os parabéns pelo texto muito bem escrito e muito didático!

    Muito obrigado!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Grata pelo comentário. Foi uma descoberta muito interessante que se tornou num exemplo fantástico. O Cato ficou-me na memória. Até breve.

      Eliminar
  7. Sergio Sousa30/10/22

    "e pior ainda, pessoas que não são parentes" Exemplo perfeito 👍

    ResponderEliminar
  8. Vitor Almeida31/10/22

    Otimo texto! No minimo antes de aceitar uma sugestão deveriam ler o registo original, seja qual for o site 🙁

    ResponderEliminar
  9. Manuela Leitão31/10/22

    Muito bem explicado! Otimo para os menos experientes.

    ResponderEliminar
  10. Antonio Neves31/10/22

    não sei o que se passa na cabeça das pessoas

    ResponderEliminar
  11. Teixeira31/10/22

    Divulgei. Muito interessante!

    ResponderEliminar
  12. Julian DeSousa31/10/22

    Excellent presentation.

    ResponderEliminar
  13. L DeSousa5/11/22

    Perfect example. Thank you. Obrigada.

    ResponderEliminar
  14. Alan Carvalho5/11/22

    That makes sense to me!

    ResponderEliminar
  15. João Valente5/11/22

    Otimo texto. A imagem inicial também ajuda. Bem haja.

    ResponderEliminar
  16. Susana5/11/22

    Talvez seja por isso que tenho imensas sugestões. Muito obrigada🙏 Vou analisar com olhos mais atentos.

    ResponderEliminar
  17. Cristina Melo5/11/22

    Também já vi casos assim mas desisti. Fica muito complicado de resolver.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Com paciência e um caso de cada vez, há de lá chegar. Talvez seja melhor um intervalo entre cada situação para não desanimar, e depois volte e continue.

      Eliminar
    2. Cristina Melo5/11/22

      Fiquei mesmo sem vontade

      Eliminar
    3. Adilia Mata5/11/22

      Entendo perfeitamente. Às vezes tiro umas férias :)
      E depois volto com energia renovada. Se não o fizermos, os menos experientes vão tomar os dados publicados como facto. E depois a saga continua. Há quem copie sem retificar. E a informação passa de mãos em mãos, de site em site, apesar de estar incorrecta.
      Força! E boas pesquisas.

      Eliminar
    4. Cristina Melo5/11/22

      Obrigada. Afinal não estou sozinha! Um dia destes ataco a confusão. Bom fim de semana.

      Eliminar
    5. Sozinha não está de certeza. Bom fim de semana.

      Eliminar
    6. Maria Guerra5/11/22

      Sozinha não está não. Eu usava muito o MyHeritage e os smart matches... nem comento. As pessoas copiam os dados de umas árvores para as outras sem verificar as ligações e os documentos. Um pesadelo de erros. É de perder a paciência.

      Eliminar
  18. Cheryl Dias6/11/22

    I used Google translate because I don't speak Portuguese. I'm a 3rd generation and never learned it from my dad. Even he can't really read or speak Portuguese. From what I could understand this is really useful. SHOULD BE DONE AS GENE RAL PRACTICE. I'm also getting to grips with the site. I'm using Ancestry to keep a clean tree.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Welcome. If you have any questions, drop me a message.

      Eliminar
  19. Laurinda Lopes6/11/22

    Eu estou sempre a aprender cada dia se fiz mal é porque não sabia melhor

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Não perca a motivação para aprender. Todos tivémos que aprender. E ninguém sabe tudo. Boas pesquisas.

      Eliminar
    2. Laurinda Lopes11/11/22

      Muito obrigada não pensei que fosse ler o meu comentario eu estou sempre a aprender gostei muito do seu site tem muita coisa que eu nunca vi ou sabia. Vou imprimir a amostra de letras que publicou isso e muito dificil para mim. Ler e colocar o que encontro no computador mas com calma tudo se faz.

      Eliminar
  20. Anónimo7/11/22

    A meu ver está muito correto fazer textos destes para quem não sabe ter onde aprender. Bem haja.

    ResponderEliminar
  21. Anónimo11/11/22

    Tudo muito certo. Entendi a mensagem. Mas como sabe que estas pessoas, estes perfis, foram baseados em aceitar registos sugeridos pelo site? Essa informação aparece em algum lado?

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. A primeira suspeita surgiu porque os registos anexados aos perfis desta família, até a data, foram todos sem excepção lidos pela inteligência artificial, que o sistema usa para gerar sugestões de registos. E com isso, os erros encontrados, como falta de datas, perfis duplicados, datas e nomes incorrectos, aumentaram mais ainda a suspeita de terem sido sugestões aceites às cegas.
      Porém, eu contactei a pessoa que criou e anexou os documentos aos perfis nesta família, apontando as incoerências e erros. E no diálogo ficou claro que foram sugestões aceites. As intenções eram boas, mas a execução precisa de mais rigor.

      Eliminar
    2. Maria Guerra11/11/22

      É impressionante como se pode causar estragos apesar das boas intenções.

      Eliminar
    3. J Teixeira11/11/22

      A intenção deveria ser fazer direito mas serviu o alerta

      Eliminar
    4. A intenção vale muito. Tem mérito. A pressa é que atrapalha tudo. Por isso partilho artigos como este com o intuito de ajudar a mudar esta atitude. A pesquisa precisa de paciência e análise do que se encontra antes de ligar as pessoas umas às outras, para evitar perdas de tempo, frustração e árvores com antepassados que não são nossos. Boas pesquisas!

      Eliminar
    5. Anónimo11/11/22

      Bem haja por ter respondido à minha pergunta. Ficarei mais atento.

      Eliminar
    6. Cheryl Dias11/11/22

      Always assume good intent. We're all learning and sometimes we learn from other people mistakes.

      Eliminar
    7. You're quite right, Cheryl Dias.

      Eliminar
  22. Hayley DaSilva10/1/23

    When I was brand new to genealogy, I created my family tree by accepting all the hints on FamilySearch, Ancestry and MyHeritage without verifying. For the last year or two I have been focused on going back to the beginning and verifying every individual, before moving back to the next generation.
    Once I started the 4th generation I found huge mistakes and wrong people in our tree. And my siblings had already paid a lot of money to print it in book format and share it with the family. I really wasn't trying to make such a mess. I just didn't know better.
    I'm glad you share this type of situations. Hope people can learn before they go at it the wrong way like I did. It's so frustrating because it takes way longer to sort the mess than to do it right.

    ResponderEliminar

Enviar um comentário