À pesca dos registos sugeridos

Há coisas na vida que nunca é demais dizer. E sei que já há cerca de dois anos escrevi sobre o risco de aceitar registos sugeridos às cegas. mas hoje sinto a necessidade de retornar a este assunto. Deixem-me tentar explicar a minha preocupação.

Imagem criada por mim usando Image Creator

Acreditem que eu entendo mesmo bem o entusiasmo pela história da família. Afinal é por isso mesmo que mantenho este blog de genealogia desde 2007. O sentimento que surge quando encontrámos documentos, descobrimos mais uma geração, aprendemos mais um pouco sobre os nossos antepassados é emocionante. E essa emoção faz-nos querer pesquisar mais e mais. E podemos até perder a noção do tempo e continuar a pesquisa até que alguém ou algo nos faça parar! 

Em Portugal somos muito afortunados com coleções de documentos históricos disponíveis para pesquisar em qualquer altura do dia ou noite, visto que uma boa parte está online. Torna-se uma "tentação" irresístivel continuar com os olhos fixos em documentos, índices, gráficos, etc. e descobrir mais um pouco.

E, para melhorar a coisa toda, isto da genealogia tornou-se mais acessível com a criação de plataformas dedicadas à pesquisa e criação de árvores, como por exemplo: FamilySearch, MyHeritage, Ancestry, FindMyPast, entre outras. Estes sites oferecem-nos ainda sugestões automáticas de registos que podem ou não ser da nossa família. Contudo, confiar cegamente nessas sugestões pode levar a erros significativos na construção das nossas árvores familiares. 

Estes sites que mencionei fazem uso de algoritmos para conseguirem analisar um vasto número de registos e ao mesmo tempo, de perfis criados, e assim conseguirem sugerir possíveis correspondências entre os documentos e as pessoas que temos nas árvores. Mas, apesar da mais valia destas sugestões pois podem "abrir portas" e quem sabe desencravar a pesquisa, este recurso não substitui a análise pela nossa parte dos documentos sugeridos. E porquê? 

Os registos sugeridos podem não ser dos nossos parentes por diversas razões:
  1. A percentagem de correspondência entre documentos e perfis - as empresas e organizações por detrás destes sites determinam qual a percentagem de correspondência mínima entre os registos e os perfis para sugerir registos. Não pode ser 100% porque senão qualquer documento que tenha algum dado ligeiramente diferente não seria sugerido como uma possibilidade. Uma percentagem que acredito que faz mais sentido é 80%. E depois cabe a nós os interessados analisar se corresponde ou não. Em resumo, existe à partida 20% de possibilidade de não ser da nossa família. 

  2. O algoritmo não é perfeito! - e por essa razão continua a ser melhorado. Eu tenho um par de avoengos, Manuel Teixeira e Maria Pereira, que costumavam ser frequentemente confundidos com outros casais com o mesmo nome. Tive que esperar até o algoritmo do FamilySearch melhorar a análise, e fazer uso também dos locais mencionados nos perfis e as fontes já anexadas com um todo para deixar de receber tantas sugestões que não correspondiam. Perdi a conta a quantos casais com o mesmo nome aparecem em registos em Portugal continental e ilhas, mas que não são os meus Manuel Teixeira e Maria Pereira de maneira alguma. 

  3. A leitura automática (também referida como indexação automática) pode conter erros - acho que esta razão é evidente e que não necessita de grande explicação. Acrescento somente que criar formas automáticas de ler documentos históricos que apresentam grafias distintas, em estilos de escrita diferentes e em várias línguas, é uma tarefa hercúlea. Para não falar no estado físico de muitos documentos que dificultam a leitura. Encontrámos erros de leitura automática? Claro que sim, mas tem tudo para tornar-se cada vez melhor. 

  4. Nomes semelhantes – É necessário lembrar que os nomes costumavam ser curtos e simples para a maioria das pessoas. Dois nomes somente: nome próprio e nome de família, este último quando havia... Quantos Manuel dos Santos ou José Silva ou Maria Francisca cada um de nós tem na árvore? Pode não ter estes que refiro mas terá outros de certeza. O resultado era haver pessoas com nomes idênticos ou semelhantes e por conta disso podem ser confundidas na pesquisa, especialmente se viveram na mesma área geográfica e período. Lembra-se dos meus heptavôs que referi acima: Manuel Teixeira e Maria Pereira? É isso mesmo.

  5. Parentescos baseadas em suposições – Alguns algoritmos sugerem parentescos familiares sem evidências documentais concretas, mas apenas com base nos padrões estatísticos. O facto de duas pessoas ou mais terem o mesmo sobrenome e viver na mesma área geográfica, por exemplo, pode ser usado para sugerir parentesco mas nem sempre isso corresponde. Ainda hoje há pessoas com o mesmo sobrenome e que vivem na mesma localidade mas não têm parentesco entre si.

  6. Perfis com fontes incorrectas – Os registos podem ser sugeridos erroneamente por conta das fontes já anexadas nos perfis mas que na realidade não são dessas pessoas, mas de alguém com um nome semelhante.


Nós vivemos influenciados pelo uso de algoritmos e decisões automáticas, pela considerável abundância de dados e informações em várias partes da nossa vida. E é uma ajuda. Não digo o contrário. Mas como podemos usar toda esta tecnologia para o nosso benefício na construção das nossas árvores familiares? Deixo algumas sugestões visto que, como diz o ditado popular: "Nem tudo o que vem à rede é peixe". Alguns são patos de borracha. 😊 (Por isso criei a imagem acima!)

Sugestões para avaliar os registos sugeridos. São só 3: 

  • Leia o Documento – Procure sempre ler os registos originais, por exemplo, registos de batismo ou nascimento, casamento e óbito, em vez de ficar-se pelas compilações secundárias (extractos, resumos, transcrições, índices, publicações, monografias, etc). Use essas compilações e estudos como ferramentas para encontrar os registos originais. Considere ainda que:
    • Há sempre a possibilidade de erro de leitura e de transcrição
    • Além disso, os registos originais podem conter dados que não foram indexados: os locais de nascimento de alguém; um parentesco inesperado mas que foi mencionado no registo (tios, irmãos, etc.), uma testemunha ou padrinho/madrinha que depois se tornou parente. Um outro exemplo valioso deste último ponto: quando nos registos de batismo indica o local onde os pais casaram com a expressão "foram recebidos" seguido do nome da freguesia. Quando os pais casaram noutra freguesia que ainda nem tínhamos "ouvido" falar durante as nossas pesquisas, acredite que esse pequeno detalhe poupa muita dor de cabeça. 
  • Compare as Informações – Verifique se os dados, ou seja, datas, locais e nomes dos parentes, correspondem com o que já foi documentado. Parta sempre do conhecido para o desconhecido!

  • Considere Múltiplas Fontes – Nunca tenha como base um único registo, se for possível. Procure fontes adicionais que confirmem os dados. Confiar somente num registo e iniciar a pesquisa da próxima geração dessa forma, corre o risco de ter mais tarde "em mãos" parentes que não são seus. Lembre-se que nenhum registo está isento de erros. Não ter isto em consideração pode ainda resultar numa situação de beco sem saída.

Na minha perspectiva, a tecnologia tem transformado a genealogia de forma que não se imaginava há 30 anos atrás. Está cada vez mais acessível saciar esta sede de conhecer mais sobre os nossos antepassados e nos sentirmos ligados a eles. Mas, pelo menos por enquanto, a análise pela nossa parte é imprescindível. Aceitar registos sugeridos sem avaliar os mesmos, pode resultar numa árvore familiar imprecisa que deturpa a história da nossa família. 

Para terminar esta publicação com uma frase só: A melhor abordagem é combinar os recursos de registos sugeridos com um olhar crítico e uma pesquisa cuidadosa porque "nem tudo o que vem à rede é peixe". 

Boas pesquisas como sempre!


Comentários

  1. Manuel Picarote21/2/25

    Boa tarde,

    Excelente texto! Inspirador para que, sem precipitações e alguns cuidados, se faça bem 🙂. Obrigado!

    Utilizo a plataforma FamilySearche, que muito me tem ajudado na extraordinária viagem de descoberta dos meus antepassados e da sua história.

    Só identifico uma pequena dificuldade, que aproveito partilhar: quando estamos a analisar um registo sugerido no FamilySearche, não conseguimos visualizar diretamente a imagem em anexo, mesmo sabendo que a origem da mesma está nos Livros Paroquiais portugueses, cujo acesso é livre através da internet, site tombo.pt. Ajudava imenso se conseguisse-mos visualizar diretamente as imagens, como acontece, por exemplo, com os registos de familiares no Brasil.

    Percebo, no entanto, que possam existir constrangimentos processuais ou mesmo legais para que o acesso se possa concretizar. No entanto, isso não diminui nada a excelência da plataforma e só tenho a agradecer.

    Mais uma vez muito obrigado pelas dicas e pela inspiração.

    Com os meus melhores cumprimentos,
    Manuel Picarote

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    1. Obrigada pelo comentário. Entendo perfeitamente o que aponta. Foi-me explicado que é por conta das cláusulas contratuais entre os arquivos portugueses e a FamilySearch. Felizmente com os registos de Coimbra e Braga já não acontece isso e ainda bem.
      Talvez eu deva fazer uma publicação um dia destes de como tirar partido das indexações no FamilySearch mesmo assim, explicando como encontrar os registos mencionados nos arquivos portugueses. Tenho feito isso nos grupos de genealogia que pertenço mas não me tinha ocorrido fazê-lo aqui.

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    2. Manuel Picarote23/2/25

      Obrigado! Essa publicação será muito bem vinda 🙂.

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  2. Maria Guerra21/2/25

    Adorei o artigo. Mesmo inspirador. Obrigada.

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  3. José Silva21/2/25

    Excelente. Bem didáctico. Eu sou José Silva e tenho mais 4 gerações paternas com o mesmo nome. De certo que houve muitos mais antes de mim. Grato pela partilha.

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  4. Manuel Marques21/2/25

    Mais explicado não podia estar. Excelente. E já agora, Manuel Marques?! Havia muitos. Agora é que temos mais nomes para distinguir-nos uns dos outros. E por isso é que apareciam as alcunhas. E as alcunhas ficaram a ser nomes de família porque havia muitos nomes iguais. Isto tem que ser com calma e cuidado. Bem haja.

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  5. Maria Guerra21/2/25

    Esqueci-me de dizer que adorei a imagem. Fica na memória.

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  6. Cristina Valente22/2/25

    Excelente! Não preciso de dizer mais nada, excepto Obrigada!

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  7. Tomás22/2/25

    Texto muito didático. Mostra que sabe do que fala.

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  8. Xavier22/2/25

    Muito obrigado pela partilha. Muito instrutivo.

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  9. Rafael Brito27/2/25

    Muito bom. As sugestões estão no ponto.

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  10. Flora27/2/25

    Com aqueles patos nunca vou esquecer desta publicação :) :) :)

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  11. Rui Pedro3/3/25

    Muito bem mesmo. Óptimas sugestões.

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  12. Filipe Vasconcelos3/3/25

    Analogia excelente e há coisas que eu não sabia. Grato.

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