O mistério da Teresa e porquê pesquisar os óbitos


Folhear os livros paroquiais de Vilar de Pinheiro, uma freguesia ao sul do concelho de Vila do Conde, no distrito do Porto, tem sido uma delícia. Por mais de 100 anos os registos mostram uma letra bem formada e regular, com quase nenhuma tinta trespassada ou borrões de tinta. E em geral, os registos apresentam os detalhes necessários para uma pesquisa sem grandes dificuldades. O sonho de qualquer genealogista, certo?

Além disso, por se tratar de uma paróquia pequena não há uma quantidade gigantesca de registos por ano e como resultado a pesquisa faz-se com uma certa rapidez. Em alguns dias apenas consegui localizar com sucesso os registos que procurava e avançar cinco gerações. Deu mesmo gozo percorrer os livros desta freguesia. Já não me lembrava de isto correr assim de forma tão descomplicada.

Até que "conheci" a Teresa.

A Teresa apareceu como que numa "neblina"... Eu já tinha pesquisado os registos de batismo e identificado os filhos do Agostinho e da Maria Francisca, casados em 1775. E a "conta" indica onze filhos: José (1776), Justino (1777), Águeda (1780), Ana (1781), Nicolau (1783), Cecília (1785), Mónica (1787), Paula (1789), Manuel (1790), Francisco (1792) e António (1794). 

Em parte, por conta da grande taxa de mortalidade infantil na época, eu tenho por hábito explorar os registos de óbito. De tempos em tempos encontro crianças que não chegaram a ter um batismo na igreja mas sim em casa, momentos antes de falecer. E muitas vezes estes "batismos por necessidade" não aparecem nos registos de batismo, sendo mencionados somente nos registos de óbito. 

E foi nessa pesquisa de óbitos que apareceu a Teresa, a falecer solteira em 1808, filha de Agostinho e Maria, todos a morar na mesma aldeia que o casal acima, a aldeia do Teso. O apelido Senra não é comum nesta freguesia e acaba por facilitar a pesquisa. Estou certa que se trata do mesmo casal. Mas esta Teresa não consta na lista dos filhos. Uma lista que construí pesquisando os batismos um ano antes do casamento e por cautela fiz o mesmo até 5 anos depois do último filho encontrado. 


Decidi anotar este falecimento e guardar o link para o registo original. Contudo, o mistério da Teresa instaurou-se. Continuei as pesquisas nos óbitos mas na minha mente havia uma nova "pesquisa". Será que o registo da Teresa escapou à minha leitura?! 

Seria uma irmã gémea e não notei? O pai Agostinho tinha um irmão gémeo registado em separado. Iniciei novamente a leitura dos registos de batismo, começando em 1774, um ano antes do casamento dos pais em 1775. Revi os registos ainda com mais cuidado do que o habitual mas não encontrei a Teresa. Será que a Teresa mudou de nome? Não pode ter sido a Águeda, nem a Ana nem a Cecilia, nem a Paula a mudar de nome, pois já tinha encontrado os registos de óbito destas quatro irmãs. Sobrava uma outra filha, Mónica, mas esta casou e deixou descendência.

Teria a Teresa nascido noutra freguesia? Ambos os pais eram de Vilar de Pinheiro e no registo de casamento deles não mencionava banhos noutras freguesias. Tanto os avós paternos como os maternos também eram da freguesia de Vilar de Pinheiro. Mas é algo a considerar. 

Terá sido engano do padre? Os pais eram outros? Outro Agostinho? Não me parece ser esse o caso. Não havia outro Agostinho Dias Senra nesta freguesia. Ele teve um sobrinho a quem deu o mesmo nome mas este faleceu com apenas três semanas de vida em 1765. 

Lembrei-me que os Crismas de Vilar de Pinheiro estavam fielmente incluídos nos livros paroquiais. No Crisma de 1782, passando os olhos pelas diferentes aldeias, na dita aldeia do Teso deparei-me com a Teresa, filha de Agostinho Dias Cenra. O uso alternado de Senra e Cenra era comum na altura. O apelido é o mesmo. 


Agora fiquei a saber que a Teresa nasceu antes de 1782 (data do Crisma). Aquele registo de óbito de 1808 não pode ter sido engano do padre. E se fosse mudança de nome deveria constar no Crisma da Teresa. Analisando as diferentes possibilidades, noto que a Teresa não é uma irmã gémea dos mencionados acima. Nem ficou esquecida entre o batismo de um e de outro, a não ser que o registo não tenha sido feito. Ainda assim, o que me vem à mente é a Teresa ter nascido antes do casamento dos pais. Eu procurei um ano antes mas se calhar ela nasceu antes do período estimado. 

Livro aberto, olhos atentos. Não quero terminar o dia sem descobrir a resposta. E no ano de 1773, dois anos antes do casamento dos pais surge o registo de batismo de uma Teresa. 


O registo indica que é filha de Maria, solteira, da aldeia do Teso, e de pai incognito. O nome da mãe está incompleto. A aldeia é a mesma. Porém, os avós maternos são para mim o ponto principal pois são os pais correctos para a Maria Francisca, esposa do Agostinho. 

Eu estou ciente que posso estar a forçar uma ligação que não existe, ou seja, a identificar este registo como sendo o da Teresa que procuro para provar a minha teoria e dar como finda esta busca. Mas os avós maternos neste registo são os mesmos avós identificados nos registos de batismo dos outros onze filhos do Agostinho e da Maria. O mistério da Teresa está esclarecido. Os pais casaram 18 meses depois da Teresa ter nascido. 

Não foi complicado de resolver mas o que seria da Teresa se eu não tivesse encontrado o óbito! Afinal não eram onze mas doze filhos. 

Como sempre, boas pesquisas!


Comentários

  1. Carvalho1/5/22

    A Sr.a tem cá uma cabeça. Admiro a sua paciencia. Eu teria descartado o registo.

    ResponderEliminar
  2. Maria Guerra1/5/22

    Gosto destas partilhas. Aprendo sempre. Abracinhos

    ResponderEliminar
  3. Na pesquisa genealógica é necessário um espiríto crítico apurado e uma boa dose de intuição "à Poirot". Com a experiência surgem na nossa cabeça uma série de explicações lógicas, trata-se apenas de seguir, diligentemente, a exclusão de hipóteses de modo seguro. Bem sabemos o que dá o facilitismo. Obrigado pela partilha.

    ResponderEliminar
  4. Cristina2/5/22

    Há quem nunca olhe os óbitos.

    ResponderEliminar
  5. Nunca olho as mortes. Não preciso sabe quando morreram.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Maria Guerra2/5/22

      Desculpe que lhe diga mas a sua perspectiva é limitada. Os óbitos são uteis para a pesquisa. Leia a publicação novamente e atente aos beneficios. Por exemplo, tal como dito no artigo acima, há crianças batizadas por emergencia em casa e não na igreja. Às vezes o único lugar onde são mencionadas é nos óbitos.

      Eliminar
    2. Anónimo1/5/23

      Pesquisar os óbitos não é uma atitude morbida. É sim saber mais sobre os nossos ancestrais. Muitos dos meus tiveram imensos filhos filhos, 11, 12, 15, 17. Mas muito desses filhos faleciam ainda em criança. Os óbitos ajudam a entender melhor o agregado familiar. E o que a familia passou. Nem consigo imaginar a dor de perder 1 filho quanto mais 6 ou 10. Quando acabo a pesquisa conheço melhor a minha familia.

      Eliminar
  6. Realmente é preciso paciencia os filhos eram todos seguidinhos uns aos outros

    ResponderEliminar
  7. João Pedro3/5/22

    Eu não estava a ver onde se encaixava a Teresa.

    ResponderEliminar
  8. Anónimo3/5/22

    Ia ficar de fora se não fosse a sua intuição

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Maria Guerra3/5/22

      Intuição e experiencia e o rigor com que faz as coisas.

      Eliminar
    2. Anónimo1/5/23

      Por isso voce ensina a usar calma e persistencia e não rapidez. Podemos não ver o que lá está.

      Eliminar

Enviar um comentário