Georg Mack

Ás vezes, as pesquisas genealógicas levam-nos longe, outras vezes a lado nenhum. Mas existe um segredo. Deixem-me contar o que aprendi na minha pesquisa dos meus Mack, que iniciou em 1993, já lá vai muito tempo... 

O meu bisavô Georg Mack era estrangeiro. E isso era tudo o que a nossa familia sempre soube. Não havia datas nem locais a não ser o país, que por acaso não é nada pequeno: Alemanha. Eu cresci a assinar o apelido Mack, que mais ninguém tinha a não ser a minha família, e a admirar uma fotografia dele na parede da sala dos meus pais. 

É claro que há histórias contadas na família mas estas não incluem qualquer menção da sua vida antes da chegada a Portugal, a não ser que fugiu da guerra. Ninguém na família fazia ideia da cidade ou vila onde teria nascido. Ninguém sabia sequer a data do seu nascimento. Nos registos dos filhos só indicava ser natural da Baviera. Será que tinha irmãos? Como é que veio para Portugal? E porquê? Tantas perguntas sem resposta... Já descobri que o meu bisavô Georg faleceu no início de 1916 no Porto, mas entre nós temos duas gerações onde o conhecimento da história da família se perdeu. O meu avô tinha somente 9 anos de idade quando o pai dele faleceu. E eu infelizmente nunca conheci o meu avô. Ele faleceu 24 anos antes de eu nascer. A vida tem destas coisas mas causa um vazio que não sei descrever. Se o meu avô tivesse vivido mais tempo, e se o pai dele tivesse vivido mais tempo, decerto teríamos mais histórias para recordar e alguma ideia de nomes e locais. No fim das contas, tudo isto criou em mim um desejo de saber mais sobre o meu bisavô Georg Mack e descobrir se as pouquíssimas histórias que ouvi têm alguma cor de verdade!  

Mas por mais que procure, não tenho acesso a documentos da família que me solucione qualquer uma destas perguntas. "Já há muito que estarão perdidos", é a resposta que recebi frequentemente. "Mas a menina não sabe mais nada?". "Ora, está à espera de quê?". Mesmo com estas e outras respostas tão "encorajadoras", e sabendo que o hábito de muitos é deitar fora as coisas de quem passa desta vida, continuei a alimentar o bichinho da curiosidade. E numa era em que a internet ainda não era uma ferramenta na pesquisa genealógica, em que ainda se fazia pesquisa através de cartas, telefonemas, obter cópias de registos na conservatória do registo civil, eu consegui descobrir que o Georg era filho de Martin Mack e Juliana Mack, naturais da Baviera. Já melhorou! Mas a Baviera fica no sudoeste da Alemanha com nada mais do que 71 distritos que incluem mais de 2.000 municípios. Isto é uma verdadeira agulha num palheiro. 

Há de existir algum registo com o seu nome, que indique a família de onde ele veio, a família que o viu nascer, antes desta que iniciou aqui em Portugal e que ficou com o seu nome e pouco mais. Onze anos depois do seu falecimento nasceram os primeiros netos, e agora há bisnetos, trisnetos, e tetranetos acabadinhos de "chegar" e outros já a caminho. Um pequeno número destes descendentes recebeu o nome dele na versão portuguesa, Jorge. A minha mãe tem dois primos que receberam o nome Jorge, e um deles tem um neto com o mesmo nome. E eu tenho um primo chamado Jorge, que por sua vez também deu o mesmo nome ao filho mais velho. Nas minhas contas, já são cinco.

Numa tentativa de preservar as memórias e histórias da família marquei visitas com os netos do Georg ainda vivos para falarmos dos avós e que mais poderiam lembrar-se. Preparei-me com uma lista de perguntas, pronta para tirar notas. E um dos netos mais velho, de seu nome "Gil", tinha várias memórias para partilhar apesar de nunca ter conhecido o seu avó Georg. Ele lembrava-se de histórias contadas desde sempre pela sua mãe e tios. Algumas dessas memórias em segunda mão parecem-me estranhas ou confusas. Deixam um certo gosto amargo de dúvida porque as datas não batem certo, pelo menos para mim (fica para outro artigo). No entanto, agradeço o tempo que passou comigo a partilhar todas essas memórias e histórias. E até trago comigo uma cópia extra do registo de óbito de uma filha de Georg, graças à generosidade do Gil, que leio e releio não sei quantas vezes no caminho de volta para casa. Talvez fosse a esperança de encontrar algo que me ajudasse a descortinar este "mistério" que me fez ler o mesmo documento vezes sem conta como se fosse a primeira vez.

Aquela folha de papel já amarelada, cópia de cópia de cópia, é nada mais do que o registo de óbito da mãe do Gil, de nome Sofia, nascida na cidade do Porto em 1894. Mas nada mais diz sobre o Georg além do seu nome. Eu tinha esperanças que aquela entrevista ajudasse a desmoronar o muro que existe entre mim e o mundo onde existem os dados sobre a família Mack. Não sabia a que mais portas bater! E infelizmente este assento não me ajuda a encontrar o fio à meada... 


 
"Eu já procurei durante anos e não encontrei nada, minha menina." "Não há nada a fazer". Estas palavras do Gil a ressoar na minha mente deixaram-me mesmo desanimada. Não sei exactamente quantas vezes li e reli este dito documento. Se calhar era a esperança de encontrar uma pista... E finalmente reparei numa pequena anotação, quase perdida no fim do registo, acerca de ter sido enviado um boletim ao Consulado Alemão. Presumi que se tratava de notificar a morte da Sofia. Mas porque é que a Conservatória do Registo Civil enviou qualquer tipo de informação para o Consulado Alemão? Apesar das respostas negativas que já tinha obtido no Consulado por telefone no passado, agora tinha um documento que claramente apontava para o Consulado. Isto despertou em mim um misto de curiosidade e esperança e assim começou uma nova etapa nesta pesquisa sem fim.


Mesmo depois de caminhar até ao quase ao fim da Avenida da Boavista, no Porto, entrar num consulado para basicamente pedir ajuda para pesquisar ancestrais parece um pouco descabido quando me apercebo que há pessoas que perderam o passaporte, ou precisam de outro tipo de ajuda urgente na mesma fila! A pessoa antes de mim parecia estar em apuros. Tudo o que eu via era alguém a chorar e um passaporte na mão a abanar de um lado para o outro. A pessoa do outro lado do balcão já parecia estar a perder a paciência. Eu não entendi o que falavam mas a agitação e tom de voz fez-me reconsiderar várias vezes como é que eu explicaria o meu pedido. A minha situação não era urgente. E provavelmente na perspectiva de muitos, nem sequer era importante. Na minha mente, orei para saber o que dizer. Quando chegou a minha vez, a pessoa do outro lado chamou uma outra pessoa para atender ao balcão, e saiu. Com determinação e uma calma que me sobreveio, fiz as perguntas com a melhor das intenções, e vejo a cara de espanto de quem me atende. Foi de uma estranhez que dava para cortar à faca. Calculo que não deve haver muita gente a pedir coisas destas. Mostrei os documentos que tinha e reforcei que o mais provável é que quando a Sofia nasceu tenha sido registada no consulado. "Gostaria de ter uma cópia do registo de nascimento da Sofia, se faz favor."

E ali estava eu, cheia de esperança e a contar com nada, e ao mesmo tempo com alguma coisa... Apesar de a pessoa que me atendeu ser do mais simpático que já conheci, a resposta final que recebi foi que não haveria forma de encontrar nada pois já se passaram 100 anos desde que a Sofia nasceu. "Os registos dessa altura devem ter sido enviados para um arquivo na Alemanha e lembre-se que já passámos por duas guerras. Não vejo como ter acesso." Foi a resposta que ouvi de alguém que deu todos os sinais de querer ajudar-me nesta minha busca mas não tinha como o fazer. Despontou em mim um sentimento de derrota e a voz do Gil "Não há nada a fazer" veio-me à mente e com relutancia desci os degraus do palacete. Mas nesse mesmo momento também senti-me inspirada a voltar ao balcão de atendimento e deixar o meu contacto. Pedi para telefonar-me caso lhe surgisse alguma ideia de como ultrapassar tal obstáculo. Pelo menos posso afirmar que tentei. Não sabia o que mais fazer mas também não achei que fosse tempo perdido. 

Para minha surpresa e choque, três dias depois recebi um telefonema pois tinham sido encontrados dois livros no antigo depósito. Um desses livros era precisamente os registos de nascimento do ano que eu tanto procurava: 1894. Mal podia acreditar! Finalmente! 

Com entusiasmo e emoção, dirigi-me ao consulado e pedi então uma cópia do registo original. Paguei pela cópia, emocionada, e esperei pela entrega. Foi então que deparei-me com uma letra quase impossível de ler, com a excepção dos nomes. A dificuldade não era somente a língua (já contava com isso) mas sim o sistema de escrita que era muito diferente do nosso.



Para meu pesar, depois de pagar pela tradução para inglês, o registo nada mais indicava do que os nomes dos pais, a residência e a profissão. Novamente, sem pistas ou dados... Novamente, sem chegar a lado algum. Fiquei a saber que os meus bisavôs Georg e Christina, tinham morado na Rua do Campo Alegre, no Porto. Que ele era cervejeiro já eu sabia. E da Baviera. E agora?! Final de linha. Não havia mais nada para "espremer" naquele documento que me ajudasse na pesquisa dos meus ancestrais. Todas as minhas esperanças estavam naquele documento! Foi uma desilusão.


Mas o inesperado aconteceu!!! Ao testemunhar a minha tristeza, o funcionário consular resolveu examinar o outro livro. E para nossa surpresa o outro livro era também do ano de 1894. E como por milagre, tratava-se de um registo de visitantes ao Consulado. Não faço idea se esse é o nome correcto para esse tipo de livro, mas o certo é que contém informações que para mim acabaram por ser preciosas. Quando o meu bisavô Georg foi ao consulado registar a filha, ele teve que apresentar um documento de identificação pessoal, e os seus dados ficaram apontados de forma tão clara que não restam dúvidas.



E por essa razão, nesse livro quase esquecido e tido como irrelevante, aparece anotado o seu nome com indicação da data e o local de nascimento dele. Indica até o número do passaporte. E a busca CONTINUA!!! Não desistam nunca! Esse é que é o segredo. Não desistam. Boas pesquisas!


Comentários

  1. Maria Guerra18/1/19

    Isto é que foi uma descoberta 5 estrelas! Parabéns pela insistência e coragem. Dá para sentir a sua dedicação e emoção. Parabéns.

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  2. Antonio Moreira19/5/19

    Parabéns por não desistir!!

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  3. Carlos Carvalho19/5/19

    Quem procura sempre alcança. Parabéns!

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  4. Anónimo30/11/23

    Emocionante!

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